domingo, 26 de novembro de 2017

Jung e o nazismo, fatos e falácias de uma história muito comentada, porém pouco conhecida.



Esses dias após uma palestra muito alegre dada para alunos de psicologia, fui rodeada por um grupo de jovens admiradores da Psicologia Analítica um tanto ansiosos me perguntando a respeito da suposta colaboração de Jung com os nazistas e de que ele era declaradamente antissemita. Respirei fundo e perguntei onde haviam escutado isso, e me relataram uma em uma aula, na qual uma professora para justificar a afirmativa estava apenas baseada em uma autora pouco afeita à psicologia analítica que citava o fatídico editorial de 1934 da publicação vinculada a Sociedade Internacional de Psicoterapia da qual Jung era presidente. O texto, de Jung, analisava as diferenças psicologia judaica e a germânica. Porém este recorte abordado fora do contexto dos fatos ocorridos em uma época tão conturbada, e amplificado pelas lentes utilizadas por aqueles que são desfavoráveis ao trabalho de Jung, pintam um quadro no
mínimo parcial. Respondi aos alunos o tanto que pude enquanto recolhia o pen drive e arrumava meus livros pois outro palestrante iria entrar, mas aquilo não me saiu da cabeça. E é para estes alunos, e para pessoas como eles que desejam realmente conhecer os fatos para a partir daí fazer uma avaliação mais honesta, que estou escrevendo este texto.
Posso dizer que poucos episódios desencadearam mais amargura em Jung que todo o mal-entendido gerado em torno daqueles tortuosos anos de guerra e suas decisões talvez pouco cuidadosas e até ingênuas. Porém qualquer um que conheça sua obra em caráter minimamente mediano sabe que Jung como qualquer ser humano não era isento de sombra, - como aliás fazia questão de enfatizar.  Porém a grave acusação de nazista não se sustenta. Aqueles que foram além das primeiras páginas desse drama sabem que no fim das contas ele (e sua psicologia) se tornou persona non grata aos nazistas.
Se por um lado o Editorial a respeito da psicologia do povo judeu usado – sem seu consentimento– como endosso de ideias antissemitas, sendo “bem visto” pelos adeptos do Nacional Socialismo, em Ensaio sobre Wotan Jung não poupou os seus compatriotas de espírito germânico ao analisar as fissuras pelas quais irrompeu do inconsciente coletivo alemão o terrível deus Wottan (e assim o fez com diversas outras culturas ao longo de sua obra). Essa e outras atitudes subsequentes o fizeram ser transportado para a lista negra do regime. Suas ideias foram proibidas na Alemanha, seus livros queimados, e inclusive foi aconselhado a se exiliar. Passou toda uma vida esclarecendo os acontecimentos daquela época, sem que pudesse a seu favor revelar que era colaborador da inteligência inglesa, um consultor para assuntos psicológicos a respeito da mente dos nazistas, a fim de estabelecer estratégias eficientes. Esse fato só se tornou mais conhecido após a sua morte. (sobre esse assunto ver o anexo de Gary Lachmann).
Quem conhece a sua biografia está ciente de que Jung sempre teve entre seu círculo de amigos, alunos e colaboradores mentes brilhantes de origem judaica até seus últimos dias, antes durante e depois da guerra. Se as acusações fossem verdadeiras, seria o equivalente a rotular como simpatizantes do neonazismo, as milhares de pessoas que todos os dias descobrem e se inspiram em seu legado para trazer luz ao inconsciente, uma luz mais calorosa que aponta para a função transcendente da alma humana.


OS FATOS: Em 1933, em um cenário de ascensão do nazismo, onde as possibilidades futuras eram ainda nebulosas, Jung aceitou ser presidente da Sociedade Internacional de Psicoterapia, situada na Alemanha. Mesmo sendo suíço, aceitou o cargo não por concordar com os ideais do Nacional Socialismo, mas por ser uma das poucas pessoas hábeis a fazer um meio de campo política para que a sociedade não se tornasse justo um braço nazista. Seu prestígio profissional e sua nacionalidade neutra o deixaram apto a assumir essa empreitada, na qual obviamente seria necessário muito jogo de cintura, pois embora não apoiasse o nazismo não podia deixar que percebessem isso de forma clara, ou do contrário não conseguiria barrar a ideologia nazista dentro da Sociedade. Tanto é que sua primeira atitude foi mudar o estatuto a fim de proteger os membros judeus. Foi uma escolha consciente permanecer e fazer o que pudesse ao invés de abandonar a Sociedade e seus pares marcando uma posição ostensivamente contrária ao Nazismo, que apesar de serem muitos de nacionalidade alemã não compartilhavam das ideias de Hitler. Mas lidar com uma situação tão delicada teve seu custo e o texto a respeito da psicologia dos judeus em comparação com a psicologia alemã de fato não é um dos que mais admiro e ainda foi editado em péssima hora. Junte-se a isso a atitude dos adeptos de Freud que não tardaram a creditar seu rompimento com o criador da psicanálise ao antissemitismo, quando de fato mais uma vez, qualquer um sabe que o rompimento se deu pela discordância de Jung da posição materialista e antirreligiosa e o foco na sexualidade como impulso de vida de Freud.  Podemos definir a coisa toda como uma sincronicidade infeliz com a qual Jung teve que arcar o resto da vida. Isso foi de fato lamentável, mas não faz de Jung nem de longe um nazista
Bem, para quem desejar se informar de fato, dos fatos disponibilizo aqui os links de dois capítulos que tratam do assunto. Um do Livro de Claire Dune, que expõe o conflito vivido intimamente por Jung por meio de documentos pessoais, e outro de Gary Lashman, que admiro por de forma alguma promover um culto a Jung e não hesitar em colocar o dedo na ferida, mesmo sendo um admirador das ideias da psicologia analítica.

LINKS

https://goo.gl/oCG521                  Claire Dune
https://goo.gl/pKyJZ1                  Gary Lashman