Síndromes contemporâneas.
Lembro que a primeira que vi o
filme de Stanley Kubrick, Laranja Mecânica, me senti profundamente perturbada
com a brutalidade de Alex de Large e seus amigos. Mesmo assim, arranjando
estômago por muitos semestres sugeri o filme como tema de trabalho para meus
alunos, pois ele levantava críticas e questões que davam muito o que pensar.
Lembro também de quando vi Psicose de Alfred Hitchcock, nossa o que foi aquilo!
Bom, é o que foi aquilo mesmo,
porque hoje isso não é mais nada. Virou fichinha perto do capítulo mais terno
de Game of Trones e Ao lado dos
filmes que contam O Exorcismo de Cicrana, Fulana e Beltrana, Normam Bates até
que é um cara normal, afinal o coitado não tinha uma mãe legal, dá pra
entender. Tem até uma série que explica direitinho.
Recentemente fui ver o mega
indicado ao Oscar: O Regresso. O título é extremamente apropriado, porque desde
a primeira cena eu só pensava em sair dali e regressar para casa. Não fui
porque para minha aflição os acompanhantes não demostraram o mesmo sentimento.
Não demostraram por puro estado de choque como vim a descobrir no fim do filme,
assim como toda a plateia. Então fiquei, como um teste de resistência
psicológico, onde eu tinha a nítida sensação de que o objetivo principal não é
contar uma história, é mexer com os nervos, incomodar ao máximo o espectador,
para testar, agredir, conseguir enfim comove-lo com alguma coisa, mesmo que
seja com a ultraviolência, porque sexo já não escandaliza mais ninguém, por
isso houve o advento dos 50 tons de cinza e afins. “Agora vai! Agora eles vão
ficar escandalizados de verdade” animam-se os produtores. Nesse festival
psicopata escuto ao fundo a voz de Quentin Tarantino esbaforido, correndo e
gritando: Espera aí que eu estou chegando, vocês vão ver só o que eu consigo! Iñárritu
responde: Não adianta botar os bofes pra fora, já fiz isso no meu filme com o
Leonardo e um cavalo!
Na verdade o engraçado é que não
tem graça nenhuma. Todos estes filmes e muitos outros atraem milhões de pessoas
ao cinema, ou diante das televisões, se expondo sem filtro algum a vivenciar
através do nosso mais contundente sentido uma realidade que em sã consciência e
equilíbrio mental ninguém desejaria para si. Escuto a todo momento as pessoas
dizendo como desculpa: “Mas a história é interessante”. Na verdade é difícil
assumir, ou mesmo compreender que as pessoas desejam sentir medo, nojo e
aversão. A nossa mente, ou alma, como queiram, é alimentada pelas experiências
e percepções que temos, e elas ficam profundamente gravadas na memória, seja
consciente ou inconsciente, se é bom eleva, se é tóxico envenena aos poucos.
As pessoas se encontram
entorpecidas. A vida está sem graça, sem emoção e sem objetivo. Repleta de
Intimidades Superficiais com a família amigos, colegas de trabalho, onde
pode-se até conviver com as pessoas sem que a profundidade da alma possa ser
partilhada. Com o cotidiano ocupado por frenéticos movimentos estagnados, onde
parece haver produção quando se levanta todos os dias para trabalhar e estudar,
mas na verdade nada está realmente acontecendo, o sentimento de vazio e
estagnação é avassalador.
Isso esclarece o enigma do motivo
pelo qual as pessoas andam se comprazendo com espetáculos do gênero, elas estão
desesperadas. Desesperadas porque já não sentem mais nada, querem alguma coisa
da dose mais forte que tenha na prateleira capaz de fazê-las sentir alguma
emoção, mesmo que primária, que os lembrem que ainda são humanos, pois há
tempos que as notícias do telejornal de massacres na Áfricas não valem uma
olhada e as pessoas caídas na rua são o mesmo que um hidrante.
Mas isso acabou virando uma epidemia,
algo semelhante a uma lepra psicológica. Os filhos de uma geração como essa estão
se tornando pessoas extremamente agressivas e desesperadas, na esperança de que
assim possam ser percebidas, mas tudo que acontece é lhe darem uma
classificação, uma sigla correspondente a um transtorno mental que por sua vez
pode ser tratado com uma pílula.
Já perdi a conta de quantos
pré-adolescentes atendi com perturbações psicológicas instaladas após ver um
filme de terror, passaram a ter enurese noturna e não conseguir mais ter um
sono tranquilo sozinhos ou de luz apagada, chegando mesmo a desenvolver o
início da Síndrome do Pânico. “Ah, é uma válvula de escape, assim a pessoa não
coloca isso em prática, sublima vendo o filme ou no vídeo game”. Sério? Então é
mais grave do que pensei, temos uma epidemia de psicopatas em potencial que
precisam ser aplacados com uma produção constante de litros de sangue de
artificial para que não queira ver o de verdade.
E como bem já dizia Jung, toda
doença psíquica é uma tentativa errada de procurar a cura.
Gente, não é por esse lado.
Prezada Tatiana!
ResponderExcluirIsso tudo me parece bem explicitado no livro "Normose" (a patologia da normalidade), de Weil, Crema e Laloup. Mas, vejo que há muitos que não concordam nem se conformam com a violência e buscam uma cultura de paz.Abraços,
Cícero G. Fernandes - psicólogo e prof. da UFAM.
Retificando: Leloup e, no lugar de "Mas", "Como os próprios autores dizem".
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