Em tempos nos quais as mulheres têm se identificado mais com
a Rainha Má que com Branca de Neve vale usar a rica metáfora.
Costumo dizer que todos os contos de fadas e mitos podem ser
vistos de diversos ângulos e níveis de profundidade, como uma paisagem que muda
a cada vez que é observada de um patamar diferente.
No caso da clássica Branca de Neve, ao invés de tratar do
embate eu e o outro que pretende no nível mais básico, falemos da estranha
relação entre o espelho, extremamente simbólico por si só, e a Rainha Má.
Eis que segundo a história, durante incontáveis dias, a
Rainha repete a mesma pergunta para o espelho “Espelho, espelho meu, existe no
mundo alguém mais bela do que eu? ” Trata-se de uma pergunta retórica, a
resposta já é esperada. A Rainha, apenas deseja a reafirmação cega e nada
consciente de seu valor externo. Está empedernida, arrogante e acomodada. Não
há um desejo de autoconhecimento, evolução ou transformação, apenas a necessidade
de manter as aparências externas, de receber o elogio e o olhar do outro. Mas
eis que este espelho não é um espelho qualquer, é um poderoso oráculo, que em sua
essência é conectado às profundezas do inconsciente, e quando menos se espera
surge com a incômoda verdade.
Quando isso acontece, a Rainha passa a sofrer com a força do
tempo (nosso velho Cronos) não vê que uma bela criança cresce em seu próprio
universo. Ao invés de abraça-la e reconhecer seu brilho divino, a faz querer
ser sua serva, diminuindo o seu valor. Mas ora, Branca de neve é de fato a
filha legítima do Rei, a herdeira natural, e não pode ser serva de ninguém. O
Self jamais será servo do Ego. Quer queira quer não, chega um dia em que o
espelho, aquela voz interior começa a dizer outra coisa. Branca de Neve agora é
a mais bela. Neste momento a Rainha ainda poderia sem maiores problemas aceitar
o novo, porém, o ego irrefletido é assim mesmo, luta para manter-se vivo, para
legitimar-se como senhor do espírito, centro da psique. E assim é. O ego nega a
voz profunda que vem do inconsciente e começa a se tornar cada vez mais
consciente, e luta contra a transformação, mas como todos sabem, não tem jeito.
Até quanto estamos identificados com a Rainha má que deseja
apenas a manutenção das aparências entrando em um estado de comodismo a ponto
de querer até mesmo matar este novo belo, porém comprometedor, Self que vem se
apresentando e exigindo transformações?