Esses dias após uma palestra
muito alegre dada para alunos de psicologia, fui rodeada por um grupo de jovens
admiradores da Psicologia Analítica um tanto ansiosos me perguntando a respeito
da suposta colaboração de Jung com os nazistas e de que ele era declaradamente
antissemita. Respirei fundo e perguntei onde haviam escutado isso, e me
relataram uma em uma aula, na qual uma professora para justificar a afirmativa
estava apenas baseada em uma autora pouco afeita à psicologia analítica que
citava o fatídico editorial de 1934 da publicação vinculada a Sociedade
Internacional de Psicoterapia da qual Jung era presidente. O texto, de Jung,
analisava as diferenças psicologia judaica e a germânica. Porém este recorte abordado
fora do contexto dos fatos ocorridos em uma época tão conturbada, e amplificado
pelas lentes utilizadas por aqueles que são desfavoráveis ao trabalho de Jung, pintam
um quadro no
mínimo parcial. Respondi aos
alunos o tanto que pude enquanto recolhia o pen drive e arrumava meus livros
pois outro palestrante iria entrar, mas aquilo não me saiu da cabeça. E é para
estes alunos, e para pessoas como eles que desejam realmente conhecer os fatos
para a partir daí fazer uma avaliação mais honesta, que estou escrevendo este
texto.
Posso dizer que poucos episódios
desencadearam mais amargura em Jung que todo o mal-entendido gerado em torno
daqueles tortuosos anos de guerra e suas decisões talvez pouco cuidadosas e até
ingênuas. Porém qualquer um que conheça sua obra em caráter minimamente mediano
sabe que Jung como qualquer ser humano não era isento de sombra, - como aliás
fazia questão de enfatizar. Porém a
grave acusação de nazista não se sustenta. Aqueles que foram além das primeiras
páginas desse drama sabem que no fim das contas ele (e sua psicologia) se
tornou persona non grata aos nazistas.
Se por um lado o Editorial a
respeito da psicologia do povo judeu usado – sem seu consentimento– como
endosso de ideias antissemitas, sendo “bem visto” pelos adeptos do Nacional
Socialismo, em Ensaio sobre Wotan Jung não poupou os seus compatriotas de
espírito germânico ao analisar as fissuras pelas quais irrompeu do inconsciente
coletivo alemão o terrível deus Wottan (e assim o fez com diversas outras
culturas ao longo de sua obra). Essa e outras atitudes subsequentes o fizeram
ser transportado para a lista negra do regime. Suas ideias foram proibidas na
Alemanha, seus livros queimados, e inclusive foi aconselhado a se exiliar.
Passou toda uma vida esclarecendo os acontecimentos daquela época, sem que
pudesse a seu favor revelar que era colaborador da inteligência inglesa, um
consultor para assuntos psicológicos a respeito da mente dos nazistas, a fim de
estabelecer estratégias eficientes. Esse fato só se tornou mais conhecido após
a sua morte. (sobre esse assunto ver o anexo de Gary Lachmann).
Quem conhece a sua biografia está
ciente de que Jung sempre teve entre seu círculo de amigos, alunos e
colaboradores mentes brilhantes de origem judaica até seus últimos dias, antes
durante e depois da guerra. Se as acusações fossem verdadeiras, seria o
equivalente a rotular como simpatizantes do neonazismo, as milhares de pessoas que
todos os dias descobrem e se inspiram em seu legado para trazer luz ao
inconsciente, uma luz mais calorosa que aponta para a função transcendente da
alma humana.
OS FATOS: Em 1933, em um cenário
de ascensão do nazismo, onde as possibilidades futuras eram ainda nebulosas,
Jung aceitou ser presidente da Sociedade Internacional de Psicoterapia, situada
na Alemanha. Mesmo sendo suíço, aceitou o cargo não por concordar com os ideais
do Nacional Socialismo, mas por ser uma das poucas pessoas hábeis a fazer um
meio de campo política para que a sociedade não se tornasse justo um braço
nazista. Seu prestígio profissional e sua nacionalidade neutra o deixaram apto
a assumir essa empreitada, na qual obviamente seria necessário muito jogo de
cintura, pois embora não apoiasse o nazismo não podia deixar que percebessem
isso de forma clara, ou do contrário não conseguiria barrar a ideologia nazista
dentro da Sociedade. Tanto é que sua primeira atitude foi mudar o estatuto a
fim de proteger os membros judeus. Foi uma escolha consciente permanecer e
fazer o que pudesse ao invés de abandonar a Sociedade e seus pares marcando uma
posição ostensivamente contrária ao Nazismo, que apesar de serem muitos de
nacionalidade alemã não compartilhavam das ideias de Hitler. Mas lidar com uma
situação tão delicada teve seu custo e o texto a respeito da psicologia dos
judeus em comparação com a psicologia alemã de fato não é um dos que mais
admiro e ainda foi editado em péssima hora. Junte-se a isso a atitude dos adeptos
de Freud que não tardaram a creditar seu rompimento com o criador da
psicanálise ao antissemitismo, quando de fato mais uma vez, qualquer um sabe
que o rompimento se deu pela discordância de Jung da posição materialista e
antirreligiosa e o foco na sexualidade como impulso de vida de Freud. Podemos definir a coisa toda como uma sincronicidade
infeliz com a qual Jung teve que arcar o resto da vida. Isso foi de fato lamentável,
mas não faz de Jung nem de longe um nazista
Bem, para quem desejar se
informar de fato, dos fatos disponibilizo aqui os links de dois capítulos que
tratam do assunto. Um do Livro de Claire Dune, que expõe o conflito vivido
intimamente por Jung por meio de documentos pessoais, e outro de Gary Lashman,
que admiro por de forma alguma promover um culto a Jung e não hesitar em
colocar o dedo na ferida, mesmo sendo um admirador das ideias da psicologia analítica.
LINKS
https://goo.gl/oCG521 Claire Dune
https://goo.gl/pKyJZ1 Gary Lashman
https://goo.gl/oCG521 Claire Dune
https://goo.gl/pKyJZ1 Gary Lashman