Pra quem é Brasil
O filme brasileiro"Casa de Areia" realmente é um negócio de bom!
Aquelas dunas maranhenses, como metáfora do inconsciente, dizem muito.
E, sem metáfora, também é um espetáculo.
segunda-feira, 30 de março de 2009
domingo, 29 de março de 2009
Do Ornitorrinco Amarelo
Durante muitos anos, as investigações feitas no campo da Psicologia foram taxadas de a-científicas. Tal afirmativa assentava-se sobre o legado da perspectiva cartesiana de Ciência, pautada em um método específico que, enquanto critério de avaliação da realidade, excluía, intencionalmente, a subjetividade do campo da ascese a então conclamada Verdade Universal.
Afiliados a esse pensamento, também vimos o surgimento, dentro do próprio campo psi, de linhas francamente favoráveis a esse paradigma, amparadas numa perspectiva racionalista da existência.
As outras linhas, contudo, tiveram de engolir, décadas a fio, toda espécie de achaques, de risadinhas canhestras à hostilidade dos confrontos mais claramente configurados.
Entretanto, o que estamos assistindo há algum tempo é uma virada no campo epistemológico na concepção de Ciência. A subjetividade passa, paulatinamente, a ganhar peso enquanto elemento fundante da avaliação e validação científicas.
Então, hoje, podemos nos dar ao direito de mais uma vez reafirmar que, dentro daqueles padrões clássicos de aceitação de fatos universais, a Psicologia nunca foi Ciência.
Porém, com uma só ressalva: Ela jamais foi a-científica e, sim, para além do científico daquela época.
Tanto Freud quanto Jung, cada um ao seu modo, já haviam ressaltado a importância da nuance afetiva, que compõe o universo de valores de cada sujeito, na captação da verdade psicológica como um todo. Sendo assim, o peso que cada um dá àquilo que vive condiciona a maneira de compreender a si próprio, o outro e o mundo.
Deste modo, o observador retrata o observado à luz de sua realidade subjetiva, ou seja, de sua concepção intelectual e emocional dos fatos, não havendo, pois, neutralidade possível, ainda que se busque um distanciamento.
Por conseguinte, podemos perceber que o número de críticas levantadas a essa perspectiva traz, em seu bojo, certa esterilidade, uma vez que calcadas, em grande parte, em elucubrações intelectuais, retratos desfocados de uma realidade muito mais rica e complexa, impossível de ser acessada por uma departamentalização do psíquico. Como nos diz Jung (1976):
“Uma crítica filosófica encontrará toda espécie de defeitos, se não atentar previamente que se trata de fatos e que o chamado conceito, neste caso, não é mais do que uma descrição ou definição resumida desses fatos. Ele terá também tão pouca possibilidade de prejudicar o objeto, quanto à crítica zoológica a imagem do ornitorrinco”.
Pois bem, contra o cinza pertencente às racionalizações inférteis, somos assim, Ornitorrinco. Amarelo, é claro.
Durante muitos anos, as investigações feitas no campo da Psicologia foram taxadas de a-científicas. Tal afirmativa assentava-se sobre o legado da perspectiva cartesiana de Ciência, pautada em um método específico que, enquanto critério de avaliação da realidade, excluía, intencionalmente, a subjetividade do campo da ascese a então conclamada Verdade Universal.
Afiliados a esse pensamento, também vimos o surgimento, dentro do próprio campo psi, de linhas francamente favoráveis a esse paradigma, amparadas numa perspectiva racionalista da existência.
As outras linhas, contudo, tiveram de engolir, décadas a fio, toda espécie de achaques, de risadinhas canhestras à hostilidade dos confrontos mais claramente configurados.
Entretanto, o que estamos assistindo há algum tempo é uma virada no campo epistemológico na concepção de Ciência. A subjetividade passa, paulatinamente, a ganhar peso enquanto elemento fundante da avaliação e validação científicas.
Então, hoje, podemos nos dar ao direito de mais uma vez reafirmar que, dentro daqueles padrões clássicos de aceitação de fatos universais, a Psicologia nunca foi Ciência.
Porém, com uma só ressalva: Ela jamais foi a-científica e, sim, para além do científico daquela época.
Tanto Freud quanto Jung, cada um ao seu modo, já haviam ressaltado a importância da nuance afetiva, que compõe o universo de valores de cada sujeito, na captação da verdade psicológica como um todo. Sendo assim, o peso que cada um dá àquilo que vive condiciona a maneira de compreender a si próprio, o outro e o mundo.
Deste modo, o observador retrata o observado à luz de sua realidade subjetiva, ou seja, de sua concepção intelectual e emocional dos fatos, não havendo, pois, neutralidade possível, ainda que se busque um distanciamento.
Por conseguinte, podemos perceber que o número de críticas levantadas a essa perspectiva traz, em seu bojo, certa esterilidade, uma vez que calcadas, em grande parte, em elucubrações intelectuais, retratos desfocados de uma realidade muito mais rica e complexa, impossível de ser acessada por uma departamentalização do psíquico. Como nos diz Jung (1976):
“Uma crítica filosófica encontrará toda espécie de defeitos, se não atentar previamente que se trata de fatos e que o chamado conceito, neste caso, não é mais do que uma descrição ou definição resumida desses fatos. Ele terá também tão pouca possibilidade de prejudicar o objeto, quanto à crítica zoológica a imagem do ornitorrinco”.
Pois bem, contra o cinza pertencente às racionalizações inférteis, somos assim, Ornitorrinco. Amarelo, é claro.
sábado, 28 de março de 2009
Física quântica, Jung e o retorno a criança original.
Há muito tempo os grandes saltos das teorias psicológicas caminham paralelamente aos avanços de outros campos do saber, em especial a física e suas concepções de mundo.Quando foi observada a “dualidade onda- partícula”, abriu-se espaço para um novo pensar a respeito de assuntos até então considerados meramente metafísicos e subjetivos, como a participação do ser humano no mundo que o rodeia.
Para os que ainda não conhecem este fenômeno, a dualidade onda- partícula se dá quando um objeto quântico apresenta características ora de partícula, ora de onda, dependendo de como “olhamos” para ela. A partícula se comportava como matéria quando observada pelo cientista, e como onda quando não olhada. O que torna esta descoberta notável é o caráter subjetivo do resultado do experimento: ele depende e é influenciado pela nossa escolha.
Com esta descoberta, foi impossível para as mentes mais aguçadas deixarem de se questionar quanto ao efeito que isto teria sobre a concepção de mente, do ser humano e de sua interação com o mundo. Estávamos diante do fato (já a muito contestado na psicologia) de que nem mesmo nas ciências naturais reside a mítica imparcialidade científica. E com isso veja o que encontramos! O ser humano não é um observador passivo, faz parte da natureza humana construir o mundo ao seu redor. Esta capacidade natural nos faz lembrar o conceito de Jung a respeito do Self, ou si mesmo, como o centro da psique ao qual devemos sempre procurar retornar através do processo de individuação, pois é lá que reside a força original intrínseca a todos nós, inclusive a possibilidade de reger nossa própria vida. Todo trabalho psicoterápico realmente profundo, se baseia na premissa de que para obter a cura precisamos nos ver como principais responsáveis pela situação em que nos encontramos, só assim haverá abertura para que algo realmente transformador possa surgir.
Apenas conceber o estado de vítima como antinatural pode explicar a devastação causada na vida das pessoas que se colocam nesta condição. Ser vitima é abrir Mão do direito e do dever de transformar a própria vida, atribuir aos fracassos a responsabilidade de outrem, sejam estes: familiares, patrões, governantes e etc. É o lugar “cômodo” e petrificante daquele que não se move, é estar fora do eixo, apartado do si mesmo.
Mas não fomos sempre assim, a noção de que tudo no mundo acontece a nossa revelia, é aprendida de forma tão eficiente que nos esquecemos do tempo em que quando crianças tínhamos aquela certeza de que tudo no mundo acontecia para nós e por nós. Quando crianças ainda nos sentimos naturalmente em harmonia e conexão com a fonte da sabedoria interior - e por isso mesmo superior - que nos traz o sentimento de ser e estar conectado a tudo e a todos. Com o passar do tempo vamos aprendendo, ou sendo levados a crer, que o mundo não existe por e para nós, e temos pouco ou nenhum controle sobre os acontecimentos. Todo o sentimento mágico de conexão com todos os eventos que nos rodeiam é reduzido a quase nada, e freqüentemente inacessível a memória. É o afastamento do si mesmo, removido pela concepção de mundo baseada no materialismo. Concepção esta completamente apartada do sagrado, onde tudo, inclusive a vida, acontece por mero acaso. O que segundo Jung é uma das grandes causas das neuroses atuais. Esta mentalidade que nasceu há centenas de anos ainda rege o pensamento de grande parte da nossa sociedade. O materialismo fatalístico vitimiza e coloca o homem longe da sua essência e de seu poder, priva-o da participação com todos os elementos do universo, reduzindo-o a um objeto a deriva em um mar de incertezas. A vida passa a ser vivida como uma sucessão de acontecimentos fortuitos que nos acometem aos desordenados borbotões. E essa impossibilidade pouco tem a ver com a noção de destino, e sim com a noção de falta de sentido. Aprendemos que na verdade somos espectadores passivos, no máximo reativos ao que acontece ao nosso redor. O que faz com que seja perfeitamente normal a disseminação do sentimento de vitima, que acomete 9 entre 10 pacientes que adentram nos consultórios, gerando a sensação de incapacidade e baixa auto estima.
Quando empreendemos o processo de individuação como definido por Jung, inevitavelmente iniciamos um retorno ao sentimento de conexão que cresce na medida em que nos aproximamos do si mesmo, o eixo da psique que nos permite acessar a realidade até então inconsciente. Munidos da maturidade acumulada pelos anos, podemos fazer uma releitura daquele sentimento primordial, como a subida da espiral que passa pelo mesmo lugar em uma posição mais alta, resgatando a profunda verdade existente na primeira infância de forma mais consciente. Esta é a essência de retorno a criança original.
Quem tiver olhos para ver que veja...
Sociedade é eu e você
Após iniciar a idéia e falar a respeito da bipolaridade enquanto “modismo social”, resta-me ainda pontuar algo que sai desse registro, eminentemente mercadológico, e verte-se para uma reflexão acerca do mundo contemporâneo.
Sendo assim, não é fato singular a percepção de que vivemos em uma época marcadamente de opostos, onde os conflitos étnico-religiosos pululam nas páginas de qualquer jornal do mundo.
Em meio a isso, também temos de nos haver, cotidianamente, com o fato de que envelhecer fisicamente virou uma espécie de tabu social ocidental. As clínicas de embelezamento estão superlotadas, as mulheres viram moças em dez aplicações de meia dúzia de substâncias e as meninas viram mulheres em qualquer editorial de revista de moda.
Antigamente, envelhecia-se. Hoje em dia, deforma-se. Quanto extremo!
Pois bem, para além do espetáculo de horrores cotidiano, o que está em questão é a sociedade em que vivemos. E o que é essa tal sociedade?
Ora, teorias à parte, sociedade é uma abstração, uma conceituação intelectual.
Em verdade, o quero dizer é que essa tal “análise sociológica” dos acontecimentos só é válida quando subjaz à uma outra, bem mais direta: Sociedade é eu e você.
Saiamos, pois, do ópio das racionalizações! Não há isenção possível quando o assunto é viver.
Então, que tal questionarmos sobre os opostos que gritam dentro de nós mesmos, que, quanto mais os maquiamos, mais eles aparecem? Afinal, a sociedade é a conseqüência direta disso.
Por fim, como sabiamente nos esclarece Jung (1976): “(...) quando um fato interior não se torna consciente ele acontece exteriormente, sob a forma de fatalidade, ou seja: se o indivíduo se mantém íntegro e não percebe sua antinomia interior, então é o mundo que deve configurar o conflito e cindir-se em duas partes opostas.”
Após iniciar a idéia e falar a respeito da bipolaridade enquanto “modismo social”, resta-me ainda pontuar algo que sai desse registro, eminentemente mercadológico, e verte-se para uma reflexão acerca do mundo contemporâneo.
Sendo assim, não é fato singular a percepção de que vivemos em uma época marcadamente de opostos, onde os conflitos étnico-religiosos pululam nas páginas de qualquer jornal do mundo.
Em meio a isso, também temos de nos haver, cotidianamente, com o fato de que envelhecer fisicamente virou uma espécie de tabu social ocidental. As clínicas de embelezamento estão superlotadas, as mulheres viram moças em dez aplicações de meia dúzia de substâncias e as meninas viram mulheres em qualquer editorial de revista de moda.
Antigamente, envelhecia-se. Hoje em dia, deforma-se. Quanto extremo!
Pois bem, para além do espetáculo de horrores cotidiano, o que está em questão é a sociedade em que vivemos. E o que é essa tal sociedade?
Ora, teorias à parte, sociedade é uma abstração, uma conceituação intelectual.
Em verdade, o quero dizer é que essa tal “análise sociológica” dos acontecimentos só é válida quando subjaz à uma outra, bem mais direta: Sociedade é eu e você.
Saiamos, pois, do ópio das racionalizações! Não há isenção possível quando o assunto é viver.
Então, que tal questionarmos sobre os opostos que gritam dentro de nós mesmos, que, quanto mais os maquiamos, mais eles aparecem? Afinal, a sociedade é a conseqüência direta disso.
Por fim, como sabiamente nos esclarece Jung (1976): “(...) quando um fato interior não se torna consciente ele acontece exteriormente, sob a forma de fatalidade, ou seja: se o indivíduo se mantém íntegro e não percebe sua antinomia interior, então é o mundo que deve configurar o conflito e cindir-se em duas partes opostas.”
terça-feira, 24 de março de 2009
Psicologia Numinosa – O ser humano e sua essência sagrada.
Estou preocupado com o mundo como ele se apresenta hoje: sem Deus e espiritualmente desorientado.
Jung, (08.02.1957), 2003, p.64
Jung, (08.02.1957), 2003, p.64
Mesmo vivendo em uma época na qual podemos observar e usufruir dos notáveis progressos da ciência e da tecnologia há um número crescente de pessoas que demonstram estarem insatisfeitas com as respostas que o racionalismo e o materialismo lhes oferecem a respeito das questões mais profundas da vida, em especial os momentos de crise. O concretamente observável como parâmetro do que é ou não a realidade, lhes parece muito estreito e limitado. Há então a necessidade de se voltar para aquilo que não se vê e não é passível de comprovações materiais, aquilo que apenas pode ser sentido e experimentado, algo que transcenda o mundo ordinário. É apenas desta maneira que se alcançam o equilíbrio psíquico, procurando restabelecer a ligação rompida com a dimensão sagrada existente em todo ser humano.
Dentro deste quadro, o que chamo de Psicologia Numinosa pode ter a compreensão de uma definição na qual se encaixam as abordagens psicológicas que abrem espaço para acolher as questões humanas nos níveis: pessoal e transpessoal, evitando pré julgar ou fechar as portas para aquilo que causa estranheza também ao psicoterapeuta. Uma postura que reconhece e faz uso dos conhecimentos prévios adquiridos ao longo dos anos no campo da psicologia e ciências afins sem, no entanto, transformá-los em prisões teóricas, mas sim em bases para olhares mais amplos. Olhar este que nos tornem capazes de atender ao crescente número de pessoas portadoras do que reconheço como Demanda Numinosa.
Mas a esta altura faz-se necessário explicar para os que ainda não tem familiaridade com o termo, o que afinal de contas é o numinoso. Bem, este é um termo muito difundido por C. G. Jung, mas foi originalmente cunhado pelo teólogo Rudolf Otto, para designar o efeito causado pelo real contato com o sagrado, com algo que transcende e é maior que o eu, e que por isso mesmo causa estranheza, temor e fascinação. Utilizado na obra de Jung, este termo adquiriu um sentido mais amplo que o estritamente religioso empregado por Otto, se aplicando a todas as experiências psicológicas que nos fazem acessar uma dimensão que está além do mundo concreto que nos rodeia: a dimensão inconsciente. Lembrando que para Jung o inconsciente não é produto do que convencionamos como realidade, mas sim a sua origem, sendo maior que a mesma. E é através do que chamou de processo de individuação, o conhecimento profundo do si mesmo, que esta dimensão se torna acessível.
A existência deste enfoque possui um caráter primordialmente prático, visando dar conta de questões para as quais o pensamento vigente não fornece respostas satisfatórias, principalmente no que diz respeito ao entendimento dos sofrimentos profundos e aparentemente sem explicação. Adotando uma postura terapêutica expandida a respeito da dimensão humana, pode-se lançar um olhar mais amplo, porém não generalizado, a respeito de comprometimentos psicológicos, procurando oferecer compressões nas quais haja sempre lugar para que o particular se coloque como uma chave para abrir a porta da compreensão da essência sagrada do ser humano.
Dentro deste quadro, o que chamo de Psicologia Numinosa pode ter a compreensão de uma definição na qual se encaixam as abordagens psicológicas que abrem espaço para acolher as questões humanas nos níveis: pessoal e transpessoal, evitando pré julgar ou fechar as portas para aquilo que causa estranheza também ao psicoterapeuta. Uma postura que reconhece e faz uso dos conhecimentos prévios adquiridos ao longo dos anos no campo da psicologia e ciências afins sem, no entanto, transformá-los em prisões teóricas, mas sim em bases para olhares mais amplos. Olhar este que nos tornem capazes de atender ao crescente número de pessoas portadoras do que reconheço como Demanda Numinosa.
Mas a esta altura faz-se necessário explicar para os que ainda não tem familiaridade com o termo, o que afinal de contas é o numinoso. Bem, este é um termo muito difundido por C. G. Jung, mas foi originalmente cunhado pelo teólogo Rudolf Otto, para designar o efeito causado pelo real contato com o sagrado, com algo que transcende e é maior que o eu, e que por isso mesmo causa estranheza, temor e fascinação. Utilizado na obra de Jung, este termo adquiriu um sentido mais amplo que o estritamente religioso empregado por Otto, se aplicando a todas as experiências psicológicas que nos fazem acessar uma dimensão que está além do mundo concreto que nos rodeia: a dimensão inconsciente. Lembrando que para Jung o inconsciente não é produto do que convencionamos como realidade, mas sim a sua origem, sendo maior que a mesma. E é através do que chamou de processo de individuação, o conhecimento profundo do si mesmo, que esta dimensão se torna acessível.
A existência deste enfoque possui um caráter primordialmente prático, visando dar conta de questões para as quais o pensamento vigente não fornece respostas satisfatórias, principalmente no que diz respeito ao entendimento dos sofrimentos profundos e aparentemente sem explicação. Adotando uma postura terapêutica expandida a respeito da dimensão humana, pode-se lançar um olhar mais amplo, porém não generalizado, a respeito de comprometimentos psicológicos, procurando oferecer compressões nas quais haja sempre lugar para que o particular se coloque como uma chave para abrir a porta da compreensão da essência sagrada do ser humano.
segunda-feira, 23 de março de 2009
Breve histórico da psicologia. - Aula 1.
A psicologia como ciência é algo recente, porém um assunto antigo.
Quando um leigo no assunto ouve o termo “psicologia”, logo surge a imagem de um paciente falando de si para um psicoterapeuta, a fim de conhecer-se melhor e obter assim a cura da psique. Logo, no imaginário geral, a psicologia se tornou sinônimo da ciência que se dedica a cura da psique. Mas a psicologia enquanto ciência, por mais estranho que possa parecer, não nasceu com este objetivo, ela se tornou o que é hoje através de um longo percurso até reaproximar-se das preocupações humanas originais a respeito da alma. Sim, porque em seu sentido original, a palavra psiquê em grego significa alma.
A necessidade de compreender-se, e também ao próximo, obviamente não surgiu com a psicologia acadêmica, algo muito próximo a esta visão de investigação da psique já existia há milênios. Bem antes de existir análise ou terapia, muitas tradições religiosas, principalmente orientais, já apontavam para a necessidade de conhecer-se a si mesmo. Finalidade que é automaticamente reconhecida como objetivo da psicoterapia atual.
Na antiguidade, como a essência humana era incontestavelmente sagrada, a cura da psique, era principalmente focada na promoção do retorno a esta essência (que nada tem a ver com a simples adoração de uma divindade externa, embora os rituais também cumpram uma importante função psicológica), em aprofundar-se em si mesmo resgatando o seu centro e restabelecendo a sua ligação com o sagrado. E isto era de cabal importância, pois todo o universo era sagrado, uma unidade. O ser humano estava estreitamente interligado com os ciclos da natureza, pois dela dependia e a ela estava sujeito, não como um agente externo, e sim como um ser integrante de um grande organismo vivo, a fonte da vida. A este grande sagrado ele deveria religar-se para entrar em equilíbrio novamente. A visão de individuo como concebemos, um ser ou organismo relativamente auto suficiente isolado do que ocorre a sua volta hoje não existia em tamanha intensidade. Na visão ancestral, as doenças psíquicas eram causadas pelo afastamento desta fonte. E desta maneira era promovido o equilíbrio psicológico durante milênios, desde culturas mais primitivas até as mais sofisticadas da antiguidade, como os gregos e os egípcios. Nos dias de hoje, alguns estudiosos como C. G. Jung, reconhecem que a grande causa do aumento da neurose em nossa sociedade de deveu ao gradual, porém trágico, afastamento do homem desta ligação com a natureza e com o sagrado, o que dava sentido a sua existência sendo, portanto, intrínseca a própria natureza humana.
O nascimento de um estudo acadêmico com a finalidade de estudar o comportamento humana desvinculando-o de questões religiosas, surgiu gradativamente acompanhando o desenvolvimento da ciência moderna, fundamentada no paradigma newtoniano cartesiano, que embora atualmente esteja em crise, ainda governa o pensamento cientifico atual. Este movimento, embora tenha trazido enormes benefícios a praticamente todos os campos do saber, também trouxe limitações, pois tudo possui dois lados, como veremos a seguir, pois todo processo que se inicia tem a sua razão de ser.
Mas aos poucos foi se dando um processo na historia ocidental, no qual as religiões passaram a ser primordialmente instituições humanas, ao invés de meios para alcançar o sagrado. A função libertadora e transcendente foi substituída por autoritarismo e medo. Havia pouco espaço para a busca interior, em seu lugar foi privilegiado um extenso e rígido conjunto de regras as quais deveriam ser respeitadas sob grandes riscos, inclusive o de perder a vida (quem não se lembra da Santa Inquisição?). A verdade não deveria ser buscada e sim imposta de fora para dentro, a religião ocidental apresentava um traço predominantemente extrovertido: Quem se comportasse de certa maneira, comparecesse aos rituais e pagasse sua contribuição teria a salvação garantida.
Olhando este movimento com base no pensamento de C. G. Jung, segundo o qual tudo possui em sua unidade os opostos complementares, podemos dizer que o escuro da religião passou a predominar na humanidade em detrimento da parte luminosa, fazendo com que este período de pouca liberdade na busca do conhecimento fosse adequadamente chamado de época das trevas, que se estendeu até o século XVI, inicio da revolução científica. O caráter opressor do lado sombra das instituições religiosas foi tão marcante ao ponto de até os dias de hoje muitas pessoas ainda considerarem esta visão parcial a única verdade a respeito das religiões.
Era de se esperar que diante deste quadro já estivesse surgindo dentre os estudiosos, uma crescente vontade de criar um espaço aonde a igreja não tivesse uma influência tão contundente a respeito do que poderia ser considerado verdade. Renée Descartes um grande estudioso, matemático e filósofo, merece ser destacado como um marco do inicio da ciência como a conhecemos. Pertence a ele a célebre afirmação “Penso, logo existo”, que foi a base da sua dedução de que a principal característica humana era a mente, colocando-a como superior ao corpo. Embora ambas, mente e matéria fossem criadas por Deus, a primeira continha em si a essência do sagrado. Em 1637, Descartes propôs a sua teoria de que o ser humano era composto por duas substâncias, a res cogitas e a res continuas , mente e corpo eram duas substâncias separadas, o corpo atenderia às leis da física e poderia ser estudado por esta, já a mente não, ela pertencia à Deus e possuía idéias inatas inspiradas por Deus. Descartes passou um bom tempo pensando em como o corpo e a mente se comunicavam, e elegeu a glândula pineal como o ponto de interação entre as duas substâncias.
Na época Descates foi inspirado pelo mecanicismo, a nova visão de mundo via a natureza não mais como um organismo vivo e espiritual, e sim como uma grande máquina que podia ser medida e controlada. A grande metáfora do mecanicismo era o relógio, a máquina mais revolucionária da época. O universo passou a ser compreendido como um grande relógio, uma maquina perfeita que obedecia as leis da matemática, e como tal, se quiséssemos compreender o funcionamento da natureza e dos seres vivos era só estudar os seus mínimos componentes. Esta visão promoveu uma drástica mudança na maneira como as pessoas se relacionavam com o meio ambiente, abrindo espaço para atitudes antiecológicas. Enquanto a terra era considerada uma grande mãe nutridora, seria uma atitude violenta e antiética perfurar o seu corpo em busca de explorar e usurpar suas riquezas.
Para corroborar o que em Descartes era suposição filosófica, Isaac Newton demonstrou que a matéria – e conseqüentemente todo o universo - era composta por átomos, bem diferente da concepção de átomos que temos hoje. Eles eram algo semelhante a pequenas bolas duras de matéria, que unidas de maneira estática em um ponto de ligação formavam a matéria perceptível. Ele também estava influenciado pelo modelo mecanicista, e assim nasceu o paradigma newtoniano-cartesiano, que imperou como único modelo para o estudo científico até os nossos dias.
Este paradigma influenciou a divisão das áreas do saber, a supervalorização dos trabalhos que envolviam a mente em detrimento dos que utilizavam o corpo, e o conceito de inteligência como capacidade intelectual. No estudo do ser humano, este pensamento originou a divisão radical entre o trabalho de médicos e psicólogos, um só cuidava do corpo, e outro só da mente.
As idéias de Descartes foram bem aceitas por estudiosos, que alcançaram maior liberdade para realizar suas pesquisas e também pela igreja que de certa forma continuava tendo sob seu controle aquilo que era mais valoroso no ser humano: a mente. No que diz respeito ao estudo das ciências naturais como a medicina e a biologia a teoria de Descartes foi muito útil, mas também trouxe limitações, pois os cientistas, entusiasmados com as descobertas feitas a partir da concepção dos organismos vivos como máquinas, passaram a acreditar que eles nada mais eram além de máquinas. Esta visão bloqueou por muito tempo a descoberta e o tratamento de doenças físicas de origem psíquica e emocional que eram vistas e tratadas como defeitos mecânicos, obtendo-se assim pouco êxito na tentativa de cura.
Em pouco tempo, no final do sec. XVII outros filósofos como o inglês John Locke, expandiram para o estudo da mente as leis estabelecidas por Descates para o estudo do corpo, assim a mente era mais um órgão do corpo e não era mais possuidora das idéias inatas dadas por Deus. Locke estabeleceu o conceito de que a mente ao nascer era uma tabula rasa, tudo era adquirido a partir da experiência. E todo o conhecimento legítimo tinha que ser gerado a partir de dados observáveis, nada que viesse de suposições teológicas ou metafísicas era válido. Sobre esta base de parte da teoria de Descartes e Newton nasceu o Empirismo.
Foi o início do afastamento do conceito de mente compreendida como alma, substância imortal, para mente como sinônimo de cérebro, matéria física, concreta e orgânica. Foi neste ponto que se consolidou a retirada de Deus e de qualquer noção de sagrado da constituição do ser humano e da natureza. Esta por sua vez já não era mais parte do ser humano, e sim matéria a ser explorada. O grande lema era estudar para prever e controlar”.
E embora o paradigma que foi gerado a partir das idéias de Descartes e de Isaac Newton, seja o sinônimo da ciência apartada do sagrado, ambos eram homens que acreditavam em uma inteligência divina superior que criava, regia e governava as leis da natureza descobertas pelos cientistas. Descarte inclusive acreditava que seu novo modelo de ciência havia sido uma inspiração trazida por Deus.
Sem dúvida uma das maiores contribuições dos filósofos empiristas foi a abertura de espaço para o surgimento da psicologia moderna. Mesmo após a revolução científica, a psicologia ainda permaneceu muito tempo sem ser reconhecida como ciência. A compreensão do ser humano permanecia estreitamente ligada à filosofia e por vezes à religião. Para que se encaixasse concepção do que vem a ser ciência houve um longo percurso. Para que o estudo da personalidade e do comportamento se adaptasse aos moldes das ciências naturais, ela precisava de um objeto de estudo passível de ser investigado em laboratórios, e até então não se fazia idéia de como transformar a mente neste objeto de estudo nestes moldes.
Até que em 1879, Wilhelm Wundt, criou um método introspectivo, segundo o qual seria possível investigar os átomos da mente, as menores e mais simples partes que juntas compunham um pensamento complexo o primeiro laboratório de psicologia na Alemanha, e criou o primeiro movimento da psicologia científica, o Estruturalismo. É bom lembrar que a psicologia quando surgiu como ciência, não possuía as características aplicadas que têm hoje, os psicólogos estavam apenas procurando o conhecimento puro. Os estruturalistas queriam apenas saber como a mente funcionava a partir de sua estrutura, e imbuídos do espírito mecanicista e do paradigma newtoniano-cartesiano, queriam descobrir os menores elementos que compunham a estrutura do pensamento, os átomos da mente, usando para tanto, experimentos de introspecção, nos quais os sujeitos eram treinados para descrever em detalhes as percepções que lhes vinham á mente.
Também no final do séc. XIX nasceu nos EUA, com o médico e fisiologista William James o movimento Funcionalista. Eles não jogavam fora os experimentos feitos pelos estruturalistas, mas contestaram a sua visão de mente como composta por elementos atomísticos, eles enfatizavam a unidade e a natureza dinâmica da consciência. Começavam a querer saber não apenas dos elementos que compunham a mente, e sim como tudo isso funcionava, como era organizado na forma de pensamentos complexos e percepções, não apenas sensações. Nascia assim a semente da psicologia aplicada, uma característica muito forte na psicologia dos EUA até os dias de hoje. James apesar de sua orientação inteiramente cientifica, foi um grande critico do dualismo cartesiano e da visão atomicista de Newton no estudo da mente humana. Defendia a constante interação e interdependência do corpo e da mente, vendo o ser humano como uma unidade e não como conjunto de partes. É considerado um dos maiores psicólogos da historia, e suas idéias influenciaram vários ramos da psicologia. James foi um ferrenho critico das classificações médicas a respeito do que era a normalidade mental. Ele defendia a existência uma realidade maior e mais abrangente que o mundo perceptível, e que algumas pessoas místicas tinham acesso a esta realidade, e não poderiam ser classificadas como insanas, pois a medida da saúde mental era a capacidade de manter sua vida cotidiana em ordem. Se uma pessoa manifestava percepções diferentes da media e mantinha a sua vida em ordem, não poderia ser classificada como insana apenas por acessar algo que ainda era incompreensível para a grande maioria.
Desde então os estudo da psicologia cientifica se dividiram em dois grandes troncos naturalmente opostos: aqueles que procuraram estudar a mente a partir estritamente do comportamento observável, e os que admitiam que o homem era portador de uma essência oculta, o inconsciente. De cada um destes troncos brotaram diversos ramos, que por sua vez, divergiam entre si.
O movimento Behaviorista, ou, Comportamentalista, chegou a defender a idéia de que não existia o que chamamos de mente, muito menos inconsciente. Mesmo com suas diferenças, tanto os estruturalistas quanto os funcionalistas estavam interessados no que ocorria dentro da mente. Bem mais tarde nos EUA por volta de 1930, iniciando-se com o psicólogo John Watson, apoiando-se nas descobertas de condicionamento clássico do fisiologista Russo Ivan Pavlov e seus experimentos com cães, nasceu o Behaviorismo, cujo principal expoente era o psicólogo americano Buhus Skinner, que levando ao pé da letra a mente como uma tabula rasa e o homem como um ser puramente biológico, cujas bases do aprendizado seriam as experiências observáveis. Elementos subjetivos como a tristeza, a criatividade, a compaixão e etc, não eram levados em conta, pois como não podiam ser observados, logo não existiam. O homem, assim como qualquer outro animal, era fruto de aprendizagem, de estímulos e respostas. Portanto, este ramo considerava válido que grande parte das pesquisas feitas em psicologia fossem realizadas com animais em laboratórios, e seus resultados fossem deduzindo como verdades humanas. O homem seria um animal diferente dos outros animais apenas nos tipos de comportamentos exibidos.
Enfim, só existia o que era possível ser visto, o inconsciente era mera especulação. Mesmo assim, não se pode negar a importância deste movimento para a compreensão de processos como os mecanismos da aprendizagem, da memória e etc.
Paralelamente tomavam força os movimentos que viam o ser humano como algo mais, como não só possuidor de consciência, mas também de estruturas inconscientes. No final do séc XIX e início do séc XX, o médico austríaco Sigmund Freud, criador da psicanálise, foi um marco nesta tendência. Embora Freud também tenha se inspirado no paradigma materialista, não acreditando que o homem tivesse alma metafísica, abriu as portas para toda uma tradição da compreensão do ser humano como algo além do meramente observável. Mas para ele, mesmo o que não era observável, era passível de ser estudado nos moldes científicos da época, o que o fez passar quase toda a sua vida procurando estabelecer a psicanálise como ciência sem obter sucesso. Seus pares da medicina diziam que o inconsciente não poderia ser provado, por isso a psicanálise não se encaixava nos requisitos necessários para se tornar uma ciência. Freud costumava dizer que não havia como chamar de irreal algo que causava um efeito real e observável. Mesmo assim, as idéias inovadoras de Freud trouxeram um novo fôlego as pesquisas a respeito da mente humana, cujas manifestações não estavam podendo ser explicadas pelas teorias da época. A teoria de Freud se mostrava extremamente voltada para o tratamento do ser humano, o que a fez ser incorporada ao saber da maioria dos psicólogos, e embora a psicanálise não tenha se estabelecido como ciência por si só, é amplamente ensinada em muitas faculdades de psicologia, influenciando diversos métodos de tratamento psicoterápico, mesmo daqueles que não se intitulam psicanalistas.
Mas mesmo com suas idéias inovadoras a respeito do funcionamento da mente, Freud e a sua teoria psicanalítica ainda estavam vinculados ao paradigma newtoniano cartesiano. Mesmo assim, a partir de suas concepções, houve a brecha para que começasse a surgir uma nova concepção da psique de acordo com o novo paradigma emergente. Um ex aluno de Freud, o psiquiatra e psicólogo suíço Carl Gustav Jung é ainda hoje o grande referencial da psicologia que une em sua concepção de natureza humana as concepções de mundo trazidas pela física quântica. Principalmente pelo fato de que segundo seu pensamento, o homem embora exista como ser individual, está imerso em um fluxo que o faz estar interligado não só com as outras pessoas como também com o universo. E esta nova visão por ele trazida para o cerne da psicologia moderna, se deveu ao seu grande interesse pela historia da humanidade e suas culturas arcaicas, procurando justamente resgatar o elo perdido do homem com a natureza sagrada, o que segundo ele era a causa de grande parte das doenças da psique enfrentadas na atualidade. Jung também resgatou a noção de que o homem ao nascer não é apenas uma tábula rasa, mas não exatamente do modo como dizia Descartes. Segundo Jung, todos os homens ao nascer partilham de um mesmo conteúdo universal, que vai tomando forma segundo a cultura, a educação, o ambiente e as predisposições biológicas. É dele a idéia de Arquétipo e inconsciente coletivo.
Hoje estamos vivendo em plena mudança de paradigma, não só na psicologia como em todas as ciências. O paradigma newtoniano-cartesiano foi muito útil sem dúvida, principalmente no que diz respeito aos estudos dos processos psicológicos básicos. No campo da neuropsicologia, por exemplo, proporcionou um grande avanço no mapeamento cerebral e no reconhecimento das áreas responsáveis por diversas funções mentais vitais, e alterações químicas que refletiam no comportamento. Mas da mesma maneira como a física clássica mesmo sendo verdadeira não respondeu a perguntas mais profundas que surgiram a partir do nível subatômico, as explicações psicológicas unicamente baseadas em estímulos neuronais também se mostraram limitadas em questões mais profundas e subjetivas do ser humano, como o amor, a criatividade a compaixão e etc. A psique é muito maior que o cérebro. Todos os novos questionamentos nos levaram a um ponto crucial da visão segundo a qual os elementos que compõem o universo são peças que se comunicam com outras em um ponto estático, sem uma interação mais ampla. A metáfora do novo paradigma não é mais o relógio, e sim a teia, ou a rede, onde todos os elementos que existem no universo estão interagindo por muito mais que um simples ponto e se influenciam mutuamente. Quase que inesperadamente, os estudos científicos mais avançados se aproximam da religião e das medicinas alternativas, se afastando do pensamento puramente materialista. Reatando assim um laço à muito tempo rompido.
No campo da psicologia, podemos ver com cada vez mais clareza que não há de fato um limite ente mente e corpo e sim uma constante interação, a mente adoece o corpo e vice e versa, do mesmo modo que um pode curar o outro. O ser humano é um conjunto indivisível, que não é só moldado pelo ambiente, mas também o influencia. Nós transformamos o mundo ao redor através do nosso olhar sobre ele, ao mesmo tempo em que somos transformados. E a mente humana, mesmo conservando todos os conhecimentos científicos acumulados durante todos estes anos acerca de si mesma, volta a se aproximar novamente do sentido original e ilimitado da palavra psique: Alma.
•Distinções importantes:
Psiquiatria: ciência médica, estudo da doença da psique.
Psicologia: estudo da psique.
Psicanálise: teoria de funcionamento da psique humana, criada por Freud, médico neurologista, a partir da observação de doenças; Forma de pesquisa e tratamento clínico
Psicoterapia: qualquer tratamento psicológico, em geral baseado no diálogo entre paciente e psicoterapeuta; também em grupos.
Referencias bibliográficas
Historia da psicologia moderna. Duane P. Shultz e Sydney Ellen Shultz. Ed Cultrix
O ponto de mutação. Fritjof Capra, Ed Cultrix
Quando um leigo no assunto ouve o termo “psicologia”, logo surge a imagem de um paciente falando de si para um psicoterapeuta, a fim de conhecer-se melhor e obter assim a cura da psique. Logo, no imaginário geral, a psicologia se tornou sinônimo da ciência que se dedica a cura da psique. Mas a psicologia enquanto ciência, por mais estranho que possa parecer, não nasceu com este objetivo, ela se tornou o que é hoje através de um longo percurso até reaproximar-se das preocupações humanas originais a respeito da alma. Sim, porque em seu sentido original, a palavra psiquê em grego significa alma.
A necessidade de compreender-se, e também ao próximo, obviamente não surgiu com a psicologia acadêmica, algo muito próximo a esta visão de investigação da psique já existia há milênios. Bem antes de existir análise ou terapia, muitas tradições religiosas, principalmente orientais, já apontavam para a necessidade de conhecer-se a si mesmo. Finalidade que é automaticamente reconhecida como objetivo da psicoterapia atual.
Na antiguidade, como a essência humana era incontestavelmente sagrada, a cura da psique, era principalmente focada na promoção do retorno a esta essência (que nada tem a ver com a simples adoração de uma divindade externa, embora os rituais também cumpram uma importante função psicológica), em aprofundar-se em si mesmo resgatando o seu centro e restabelecendo a sua ligação com o sagrado. E isto era de cabal importância, pois todo o universo era sagrado, uma unidade. O ser humano estava estreitamente interligado com os ciclos da natureza, pois dela dependia e a ela estava sujeito, não como um agente externo, e sim como um ser integrante de um grande organismo vivo, a fonte da vida. A este grande sagrado ele deveria religar-se para entrar em equilíbrio novamente. A visão de individuo como concebemos, um ser ou organismo relativamente auto suficiente isolado do que ocorre a sua volta hoje não existia em tamanha intensidade. Na visão ancestral, as doenças psíquicas eram causadas pelo afastamento desta fonte. E desta maneira era promovido o equilíbrio psicológico durante milênios, desde culturas mais primitivas até as mais sofisticadas da antiguidade, como os gregos e os egípcios. Nos dias de hoje, alguns estudiosos como C. G. Jung, reconhecem que a grande causa do aumento da neurose em nossa sociedade de deveu ao gradual, porém trágico, afastamento do homem desta ligação com a natureza e com o sagrado, o que dava sentido a sua existência sendo, portanto, intrínseca a própria natureza humana.
O nascimento de um estudo acadêmico com a finalidade de estudar o comportamento humana desvinculando-o de questões religiosas, surgiu gradativamente acompanhando o desenvolvimento da ciência moderna, fundamentada no paradigma newtoniano cartesiano, que embora atualmente esteja em crise, ainda governa o pensamento cientifico atual. Este movimento, embora tenha trazido enormes benefícios a praticamente todos os campos do saber, também trouxe limitações, pois tudo possui dois lados, como veremos a seguir, pois todo processo que se inicia tem a sua razão de ser.
Mas aos poucos foi se dando um processo na historia ocidental, no qual as religiões passaram a ser primordialmente instituições humanas, ao invés de meios para alcançar o sagrado. A função libertadora e transcendente foi substituída por autoritarismo e medo. Havia pouco espaço para a busca interior, em seu lugar foi privilegiado um extenso e rígido conjunto de regras as quais deveriam ser respeitadas sob grandes riscos, inclusive o de perder a vida (quem não se lembra da Santa Inquisição?). A verdade não deveria ser buscada e sim imposta de fora para dentro, a religião ocidental apresentava um traço predominantemente extrovertido: Quem se comportasse de certa maneira, comparecesse aos rituais e pagasse sua contribuição teria a salvação garantida.
Olhando este movimento com base no pensamento de C. G. Jung, segundo o qual tudo possui em sua unidade os opostos complementares, podemos dizer que o escuro da religião passou a predominar na humanidade em detrimento da parte luminosa, fazendo com que este período de pouca liberdade na busca do conhecimento fosse adequadamente chamado de época das trevas, que se estendeu até o século XVI, inicio da revolução científica. O caráter opressor do lado sombra das instituições religiosas foi tão marcante ao ponto de até os dias de hoje muitas pessoas ainda considerarem esta visão parcial a única verdade a respeito das religiões.
Era de se esperar que diante deste quadro já estivesse surgindo dentre os estudiosos, uma crescente vontade de criar um espaço aonde a igreja não tivesse uma influência tão contundente a respeito do que poderia ser considerado verdade. Renée Descartes um grande estudioso, matemático e filósofo, merece ser destacado como um marco do inicio da ciência como a conhecemos. Pertence a ele a célebre afirmação “Penso, logo existo”, que foi a base da sua dedução de que a principal característica humana era a mente, colocando-a como superior ao corpo. Embora ambas, mente e matéria fossem criadas por Deus, a primeira continha em si a essência do sagrado. Em 1637, Descartes propôs a sua teoria de que o ser humano era composto por duas substâncias, a res cogitas e a res continuas , mente e corpo eram duas substâncias separadas, o corpo atenderia às leis da física e poderia ser estudado por esta, já a mente não, ela pertencia à Deus e possuía idéias inatas inspiradas por Deus. Descartes passou um bom tempo pensando em como o corpo e a mente se comunicavam, e elegeu a glândula pineal como o ponto de interação entre as duas substâncias.
Na época Descates foi inspirado pelo mecanicismo, a nova visão de mundo via a natureza não mais como um organismo vivo e espiritual, e sim como uma grande máquina que podia ser medida e controlada. A grande metáfora do mecanicismo era o relógio, a máquina mais revolucionária da época. O universo passou a ser compreendido como um grande relógio, uma maquina perfeita que obedecia as leis da matemática, e como tal, se quiséssemos compreender o funcionamento da natureza e dos seres vivos era só estudar os seus mínimos componentes. Esta visão promoveu uma drástica mudança na maneira como as pessoas se relacionavam com o meio ambiente, abrindo espaço para atitudes antiecológicas. Enquanto a terra era considerada uma grande mãe nutridora, seria uma atitude violenta e antiética perfurar o seu corpo em busca de explorar e usurpar suas riquezas.
Para corroborar o que em Descartes era suposição filosófica, Isaac Newton demonstrou que a matéria – e conseqüentemente todo o universo - era composta por átomos, bem diferente da concepção de átomos que temos hoje. Eles eram algo semelhante a pequenas bolas duras de matéria, que unidas de maneira estática em um ponto de ligação formavam a matéria perceptível. Ele também estava influenciado pelo modelo mecanicista, e assim nasceu o paradigma newtoniano-cartesiano, que imperou como único modelo para o estudo científico até os nossos dias.
Este paradigma influenciou a divisão das áreas do saber, a supervalorização dos trabalhos que envolviam a mente em detrimento dos que utilizavam o corpo, e o conceito de inteligência como capacidade intelectual. No estudo do ser humano, este pensamento originou a divisão radical entre o trabalho de médicos e psicólogos, um só cuidava do corpo, e outro só da mente.
As idéias de Descartes foram bem aceitas por estudiosos, que alcançaram maior liberdade para realizar suas pesquisas e também pela igreja que de certa forma continuava tendo sob seu controle aquilo que era mais valoroso no ser humano: a mente. No que diz respeito ao estudo das ciências naturais como a medicina e a biologia a teoria de Descartes foi muito útil, mas também trouxe limitações, pois os cientistas, entusiasmados com as descobertas feitas a partir da concepção dos organismos vivos como máquinas, passaram a acreditar que eles nada mais eram além de máquinas. Esta visão bloqueou por muito tempo a descoberta e o tratamento de doenças físicas de origem psíquica e emocional que eram vistas e tratadas como defeitos mecânicos, obtendo-se assim pouco êxito na tentativa de cura.
Em pouco tempo, no final do sec. XVII outros filósofos como o inglês John Locke, expandiram para o estudo da mente as leis estabelecidas por Descates para o estudo do corpo, assim a mente era mais um órgão do corpo e não era mais possuidora das idéias inatas dadas por Deus. Locke estabeleceu o conceito de que a mente ao nascer era uma tabula rasa, tudo era adquirido a partir da experiência. E todo o conhecimento legítimo tinha que ser gerado a partir de dados observáveis, nada que viesse de suposições teológicas ou metafísicas era válido. Sobre esta base de parte da teoria de Descartes e Newton nasceu o Empirismo.
Foi o início do afastamento do conceito de mente compreendida como alma, substância imortal, para mente como sinônimo de cérebro, matéria física, concreta e orgânica. Foi neste ponto que se consolidou a retirada de Deus e de qualquer noção de sagrado da constituição do ser humano e da natureza. Esta por sua vez já não era mais parte do ser humano, e sim matéria a ser explorada. O grande lema era estudar para prever e controlar”.
E embora o paradigma que foi gerado a partir das idéias de Descartes e de Isaac Newton, seja o sinônimo da ciência apartada do sagrado, ambos eram homens que acreditavam em uma inteligência divina superior que criava, regia e governava as leis da natureza descobertas pelos cientistas. Descarte inclusive acreditava que seu novo modelo de ciência havia sido uma inspiração trazida por Deus.
Sem dúvida uma das maiores contribuições dos filósofos empiristas foi a abertura de espaço para o surgimento da psicologia moderna. Mesmo após a revolução científica, a psicologia ainda permaneceu muito tempo sem ser reconhecida como ciência. A compreensão do ser humano permanecia estreitamente ligada à filosofia e por vezes à religião. Para que se encaixasse concepção do que vem a ser ciência houve um longo percurso. Para que o estudo da personalidade e do comportamento se adaptasse aos moldes das ciências naturais, ela precisava de um objeto de estudo passível de ser investigado em laboratórios, e até então não se fazia idéia de como transformar a mente neste objeto de estudo nestes moldes.
Até que em 1879, Wilhelm Wundt, criou um método introspectivo, segundo o qual seria possível investigar os átomos da mente, as menores e mais simples partes que juntas compunham um pensamento complexo o primeiro laboratório de psicologia na Alemanha, e criou o primeiro movimento da psicologia científica, o Estruturalismo. É bom lembrar que a psicologia quando surgiu como ciência, não possuía as características aplicadas que têm hoje, os psicólogos estavam apenas procurando o conhecimento puro. Os estruturalistas queriam apenas saber como a mente funcionava a partir de sua estrutura, e imbuídos do espírito mecanicista e do paradigma newtoniano-cartesiano, queriam descobrir os menores elementos que compunham a estrutura do pensamento, os átomos da mente, usando para tanto, experimentos de introspecção, nos quais os sujeitos eram treinados para descrever em detalhes as percepções que lhes vinham á mente.
Também no final do séc. XIX nasceu nos EUA, com o médico e fisiologista William James o movimento Funcionalista. Eles não jogavam fora os experimentos feitos pelos estruturalistas, mas contestaram a sua visão de mente como composta por elementos atomísticos, eles enfatizavam a unidade e a natureza dinâmica da consciência. Começavam a querer saber não apenas dos elementos que compunham a mente, e sim como tudo isso funcionava, como era organizado na forma de pensamentos complexos e percepções, não apenas sensações. Nascia assim a semente da psicologia aplicada, uma característica muito forte na psicologia dos EUA até os dias de hoje. James apesar de sua orientação inteiramente cientifica, foi um grande critico do dualismo cartesiano e da visão atomicista de Newton no estudo da mente humana. Defendia a constante interação e interdependência do corpo e da mente, vendo o ser humano como uma unidade e não como conjunto de partes. É considerado um dos maiores psicólogos da historia, e suas idéias influenciaram vários ramos da psicologia. James foi um ferrenho critico das classificações médicas a respeito do que era a normalidade mental. Ele defendia a existência uma realidade maior e mais abrangente que o mundo perceptível, e que algumas pessoas místicas tinham acesso a esta realidade, e não poderiam ser classificadas como insanas, pois a medida da saúde mental era a capacidade de manter sua vida cotidiana em ordem. Se uma pessoa manifestava percepções diferentes da media e mantinha a sua vida em ordem, não poderia ser classificada como insana apenas por acessar algo que ainda era incompreensível para a grande maioria.
Desde então os estudo da psicologia cientifica se dividiram em dois grandes troncos naturalmente opostos: aqueles que procuraram estudar a mente a partir estritamente do comportamento observável, e os que admitiam que o homem era portador de uma essência oculta, o inconsciente. De cada um destes troncos brotaram diversos ramos, que por sua vez, divergiam entre si.
O movimento Behaviorista, ou, Comportamentalista, chegou a defender a idéia de que não existia o que chamamos de mente, muito menos inconsciente. Mesmo com suas diferenças, tanto os estruturalistas quanto os funcionalistas estavam interessados no que ocorria dentro da mente. Bem mais tarde nos EUA por volta de 1930, iniciando-se com o psicólogo John Watson, apoiando-se nas descobertas de condicionamento clássico do fisiologista Russo Ivan Pavlov e seus experimentos com cães, nasceu o Behaviorismo, cujo principal expoente era o psicólogo americano Buhus Skinner, que levando ao pé da letra a mente como uma tabula rasa e o homem como um ser puramente biológico, cujas bases do aprendizado seriam as experiências observáveis. Elementos subjetivos como a tristeza, a criatividade, a compaixão e etc, não eram levados em conta, pois como não podiam ser observados, logo não existiam. O homem, assim como qualquer outro animal, era fruto de aprendizagem, de estímulos e respostas. Portanto, este ramo considerava válido que grande parte das pesquisas feitas em psicologia fossem realizadas com animais em laboratórios, e seus resultados fossem deduzindo como verdades humanas. O homem seria um animal diferente dos outros animais apenas nos tipos de comportamentos exibidos.
Enfim, só existia o que era possível ser visto, o inconsciente era mera especulação. Mesmo assim, não se pode negar a importância deste movimento para a compreensão de processos como os mecanismos da aprendizagem, da memória e etc.
Paralelamente tomavam força os movimentos que viam o ser humano como algo mais, como não só possuidor de consciência, mas também de estruturas inconscientes. No final do séc XIX e início do séc XX, o médico austríaco Sigmund Freud, criador da psicanálise, foi um marco nesta tendência. Embora Freud também tenha se inspirado no paradigma materialista, não acreditando que o homem tivesse alma metafísica, abriu as portas para toda uma tradição da compreensão do ser humano como algo além do meramente observável. Mas para ele, mesmo o que não era observável, era passível de ser estudado nos moldes científicos da época, o que o fez passar quase toda a sua vida procurando estabelecer a psicanálise como ciência sem obter sucesso. Seus pares da medicina diziam que o inconsciente não poderia ser provado, por isso a psicanálise não se encaixava nos requisitos necessários para se tornar uma ciência. Freud costumava dizer que não havia como chamar de irreal algo que causava um efeito real e observável. Mesmo assim, as idéias inovadoras de Freud trouxeram um novo fôlego as pesquisas a respeito da mente humana, cujas manifestações não estavam podendo ser explicadas pelas teorias da época. A teoria de Freud se mostrava extremamente voltada para o tratamento do ser humano, o que a fez ser incorporada ao saber da maioria dos psicólogos, e embora a psicanálise não tenha se estabelecido como ciência por si só, é amplamente ensinada em muitas faculdades de psicologia, influenciando diversos métodos de tratamento psicoterápico, mesmo daqueles que não se intitulam psicanalistas.
Mas mesmo com suas idéias inovadoras a respeito do funcionamento da mente, Freud e a sua teoria psicanalítica ainda estavam vinculados ao paradigma newtoniano cartesiano. Mesmo assim, a partir de suas concepções, houve a brecha para que começasse a surgir uma nova concepção da psique de acordo com o novo paradigma emergente. Um ex aluno de Freud, o psiquiatra e psicólogo suíço Carl Gustav Jung é ainda hoje o grande referencial da psicologia que une em sua concepção de natureza humana as concepções de mundo trazidas pela física quântica. Principalmente pelo fato de que segundo seu pensamento, o homem embora exista como ser individual, está imerso em um fluxo que o faz estar interligado não só com as outras pessoas como também com o universo. E esta nova visão por ele trazida para o cerne da psicologia moderna, se deveu ao seu grande interesse pela historia da humanidade e suas culturas arcaicas, procurando justamente resgatar o elo perdido do homem com a natureza sagrada, o que segundo ele era a causa de grande parte das doenças da psique enfrentadas na atualidade. Jung também resgatou a noção de que o homem ao nascer não é apenas uma tábula rasa, mas não exatamente do modo como dizia Descartes. Segundo Jung, todos os homens ao nascer partilham de um mesmo conteúdo universal, que vai tomando forma segundo a cultura, a educação, o ambiente e as predisposições biológicas. É dele a idéia de Arquétipo e inconsciente coletivo.
Hoje estamos vivendo em plena mudança de paradigma, não só na psicologia como em todas as ciências. O paradigma newtoniano-cartesiano foi muito útil sem dúvida, principalmente no que diz respeito aos estudos dos processos psicológicos básicos. No campo da neuropsicologia, por exemplo, proporcionou um grande avanço no mapeamento cerebral e no reconhecimento das áreas responsáveis por diversas funções mentais vitais, e alterações químicas que refletiam no comportamento. Mas da mesma maneira como a física clássica mesmo sendo verdadeira não respondeu a perguntas mais profundas que surgiram a partir do nível subatômico, as explicações psicológicas unicamente baseadas em estímulos neuronais também se mostraram limitadas em questões mais profundas e subjetivas do ser humano, como o amor, a criatividade a compaixão e etc. A psique é muito maior que o cérebro. Todos os novos questionamentos nos levaram a um ponto crucial da visão segundo a qual os elementos que compõem o universo são peças que se comunicam com outras em um ponto estático, sem uma interação mais ampla. A metáfora do novo paradigma não é mais o relógio, e sim a teia, ou a rede, onde todos os elementos que existem no universo estão interagindo por muito mais que um simples ponto e se influenciam mutuamente. Quase que inesperadamente, os estudos científicos mais avançados se aproximam da religião e das medicinas alternativas, se afastando do pensamento puramente materialista. Reatando assim um laço à muito tempo rompido.
No campo da psicologia, podemos ver com cada vez mais clareza que não há de fato um limite ente mente e corpo e sim uma constante interação, a mente adoece o corpo e vice e versa, do mesmo modo que um pode curar o outro. O ser humano é um conjunto indivisível, que não é só moldado pelo ambiente, mas também o influencia. Nós transformamos o mundo ao redor através do nosso olhar sobre ele, ao mesmo tempo em que somos transformados. E a mente humana, mesmo conservando todos os conhecimentos científicos acumulados durante todos estes anos acerca de si mesma, volta a se aproximar novamente do sentido original e ilimitado da palavra psique: Alma.
•Distinções importantes:
Psiquiatria: ciência médica, estudo da doença da psique.
Psicologia: estudo da psique.
Psicanálise: teoria de funcionamento da psique humana, criada por Freud, médico neurologista, a partir da observação de doenças; Forma de pesquisa e tratamento clínico
Psicoterapia: qualquer tratamento psicológico, em geral baseado no diálogo entre paciente e psicoterapeuta; também em grupos.
Referencias bibliográficas
Historia da psicologia moderna. Duane P. Shultz e Sydney Ellen Shultz. Ed Cultrix
O ponto de mutação. Fritjof Capra, Ed Cultrix
sexta-feira, 20 de março de 2009
Farmacopéia de interesses
É cada vez maior o número de pessoas que surge no consultório clínico trazendo em sua queixa o jargão da bipolaridade. Digo “jargão” na intenção de postular a presença de uma espécie de “modismo social” que rege a atualidade, ratificada pelo crescente número de diagnósticos psiquiátricos pautados nessa vertente.
O “transtorno bipolar” é hoje a nomenclatura oficial (CID-10) para a antiqüíssima psicose maníaco-depressiva. Como é do conhecimento de alguns, foi Kraepelin quem ordenou o campo das psicoses durante todo o século XX, separando-as em três grandes grupos: a PMD (ou psicose maníaco-depressiva, a demência precoce (posteriormente chamada de esquizofrenia) e a paranóia. Por conseguinte, tínhamos uma demarcação clara entre neurose e psicose.
Acontece que a CID-10 (Classificação Internacional das Doenças) abriu mão dessa diferenciação e diluiu o campo , originalmente das psicoses, às manifestações pautadas em quadros de alucinação, delírios, catatonias, etc., promovendo um deslocamento no campo da diagnose. Conseqüentemente, a antiga PMD foi retirada da nosologia clássica, ganhando o contorno de transtorno e, juntamente com isso, os conceitos de neurose e psicose tornaram-se absolutamente fluidos, salvo os casos de esquizofrenia, onde, devido à gritante desestruturação subjetiva, mantém o edifício da psicose de pé.
Ainda que alguns vejam na perspectiva atual uma possibilidade de retirada do estigma social que a denominação ‘psicose’ acarreta aos sujeitos, o fato é que, quando o quadro maníaco-depressivo era assim denominado, medicava-se muito menos do que hoje. Sim, pois, com a indeterminação do campo, um número crescido de casos de histerias graves, dentre outras patologias, vem sendo diagnosticado e medicado como bipolaridade.
Em contrapartida, é sempre bom lembrar que Paulo Amarante, em 1995, ou seja, há quatorze anos, apontava que, no Brasil, “existem 63.000 especialidades farmacêuticas, das quais pelo menos 13.000 circulam no mercado, enquanto que a Relação Internacional de Medicamentos Essenciais (Rename), procura responder à orientação da Organização Mundial de Saúde no sentido de que os países em desenvolvimento adotem listas de medicamentos essenciais destinados a cobrir em torno de 80% das necessidades de medicamentos, adota uma lista de cerca de apenas 400 produtos”.
Há, portanto, muito mais drogas no mercado consumidor do que efetivamente é necessário ao perfil da população brasileira, o que leva-nos a pensar nos reais interesses da produção maciça de psicotrópicos, bem como nas práticas de uma vasta gama de profissionais que compõe o campo da Saúde Mental atualmente.
Por fim, não se trata, em absoluto, de defender um modelo ou outro de esquematização nosográfica, mas de compreender quem são os beneficiados quando este se institui ou se desmantela.
É cada vez maior o número de pessoas que surge no consultório clínico trazendo em sua queixa o jargão da bipolaridade. Digo “jargão” na intenção de postular a presença de uma espécie de “modismo social” que rege a atualidade, ratificada pelo crescente número de diagnósticos psiquiátricos pautados nessa vertente.
O “transtorno bipolar” é hoje a nomenclatura oficial (CID-10) para a antiqüíssima psicose maníaco-depressiva. Como é do conhecimento de alguns, foi Kraepelin quem ordenou o campo das psicoses durante todo o século XX, separando-as em três grandes grupos: a PMD (ou psicose maníaco-depressiva, a demência precoce (posteriormente chamada de esquizofrenia) e a paranóia. Por conseguinte, tínhamos uma demarcação clara entre neurose e psicose.
Acontece que a CID-10 (Classificação Internacional das Doenças) abriu mão dessa diferenciação e diluiu o campo , originalmente das psicoses, às manifestações pautadas em quadros de alucinação, delírios, catatonias, etc., promovendo um deslocamento no campo da diagnose. Conseqüentemente, a antiga PMD foi retirada da nosologia clássica, ganhando o contorno de transtorno e, juntamente com isso, os conceitos de neurose e psicose tornaram-se absolutamente fluidos, salvo os casos de esquizofrenia, onde, devido à gritante desestruturação subjetiva, mantém o edifício da psicose de pé.
Ainda que alguns vejam na perspectiva atual uma possibilidade de retirada do estigma social que a denominação ‘psicose’ acarreta aos sujeitos, o fato é que, quando o quadro maníaco-depressivo era assim denominado, medicava-se muito menos do que hoje. Sim, pois, com a indeterminação do campo, um número crescido de casos de histerias graves, dentre outras patologias, vem sendo diagnosticado e medicado como bipolaridade.
Em contrapartida, é sempre bom lembrar que Paulo Amarante, em 1995, ou seja, há quatorze anos, apontava que, no Brasil, “existem 63.000 especialidades farmacêuticas, das quais pelo menos 13.000 circulam no mercado, enquanto que a Relação Internacional de Medicamentos Essenciais (Rename), procura responder à orientação da Organização Mundial de Saúde no sentido de que os países em desenvolvimento adotem listas de medicamentos essenciais destinados a cobrir em torno de 80% das necessidades de medicamentos, adota uma lista de cerca de apenas 400 produtos”.
Há, portanto, muito mais drogas no mercado consumidor do que efetivamente é necessário ao perfil da população brasileira, o que leva-nos a pensar nos reais interesses da produção maciça de psicotrópicos, bem como nas práticas de uma vasta gama de profissionais que compõe o campo da Saúde Mental atualmente.
Por fim, não se trata, em absoluto, de defender um modelo ou outro de esquematização nosográfica, mas de compreender quem são os beneficiados quando este se institui ou se desmantela.
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