Do Ornitorrinco Amarelo
Durante muitos anos, as investigações feitas no campo da Psicologia foram taxadas de a-científicas. Tal afirmativa assentava-se sobre o legado da perspectiva cartesiana de Ciência, pautada em um método específico que, enquanto critério de avaliação da realidade, excluía, intencionalmente, a subjetividade do campo da ascese a então conclamada Verdade Universal.
Afiliados a esse pensamento, também vimos o surgimento, dentro do próprio campo psi, de linhas francamente favoráveis a esse paradigma, amparadas numa perspectiva racionalista da existência.
As outras linhas, contudo, tiveram de engolir, décadas a fio, toda espécie de achaques, de risadinhas canhestras à hostilidade dos confrontos mais claramente configurados.
Entretanto, o que estamos assistindo há algum tempo é uma virada no campo epistemológico na concepção de Ciência. A subjetividade passa, paulatinamente, a ganhar peso enquanto elemento fundante da avaliação e validação científicas.
Então, hoje, podemos nos dar ao direito de mais uma vez reafirmar que, dentro daqueles padrões clássicos de aceitação de fatos universais, a Psicologia nunca foi Ciência.
Porém, com uma só ressalva: Ela jamais foi a-científica e, sim, para além do científico daquela época.
Tanto Freud quanto Jung, cada um ao seu modo, já haviam ressaltado a importância da nuance afetiva, que compõe o universo de valores de cada sujeito, na captação da verdade psicológica como um todo. Sendo assim, o peso que cada um dá àquilo que vive condiciona a maneira de compreender a si próprio, o outro e o mundo.
Deste modo, o observador retrata o observado à luz de sua realidade subjetiva, ou seja, de sua concepção intelectual e emocional dos fatos, não havendo, pois, neutralidade possível, ainda que se busque um distanciamento.
Por conseguinte, podemos perceber que o número de críticas levantadas a essa perspectiva traz, em seu bojo, certa esterilidade, uma vez que calcadas, em grande parte, em elucubrações intelectuais, retratos desfocados de uma realidade muito mais rica e complexa, impossível de ser acessada por uma departamentalização do psíquico. Como nos diz Jung (1976):
“Uma crítica filosófica encontrará toda espécie de defeitos, se não atentar previamente que se trata de fatos e que o chamado conceito, neste caso, não é mais do que uma descrição ou definição resumida desses fatos. Ele terá também tão pouca possibilidade de prejudicar o objeto, quanto à crítica zoológica a imagem do ornitorrinco”.
Pois bem, contra o cinza pertencente às racionalizações inférteis, somos assim, Ornitorrinco. Amarelo, é claro.
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